sábado, 6 de junho de 2009


Saiba o que ainda é dúvida sobre o desaparecimento do voo 447

Especialistas explicam o que pode ter ocorrido com o Airbus.Variação de altitude e velocidade não são problemas de segurança.

O acidente com o voo 447 da Air France, ocorrido após decolar do Rio de Janeiro no domingo (31), segue repleto de dúvidas enquanto autoridades prosseguem com as buscas no Oceano Atlântico. A aeronave transportava 228 pessoas, entre tripulantes e passageiros.

A entrevista (realizada pelo G1) é com Jorge Barros, diretor da Nvtec, especialista em segurança de voo; com Newton Claizoni, piloto de jato executivo; com Ronaldo Jenkins, diretor técnico do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias; e com Hamilton Munhoz, piloto de jato executivo e comercial.
Eles falaram sobre procedimentos padrões durante um voo, equipamentos básicos de navegação e legislação específica. Confira a seguir os principais trechos.


O voo AF 447 estava a 35 mil pés e não a 37 mil como previsto. Isso é problema? Normalmente, quanto mais alto se voa, melhor é a eficiência em relação a combustível. Não tem necessariamente relação com a velocidade, mas com a possibilidade de fazer o mesmo percurso gastando menos combustível. O que acontece é que, quando o avião decola, ele não sobe imediatamente a sua altitude máxima, ou à altitude do plano de voo.

Como o piloto faz essa mudança de altitude? Isso se chama step climb e é corriqueiro. A maioria dos aviões comerciais atualmente pode ir até 41 mil pés, mas eles sobem aos poucos, dependendo do peso e da quantidade de combustível, pois o computador vai indicando qual o “nível ótimo” para cada situação. O avião vai mudando de faixa de peso dependendo da queima de combustível, e isso é controlado pelo computador e acompanhado pelo centro de controle. Se o avião estava a 35 mil pés, ele devia estar autorizado para isso e, assim que o computador determinasse, ele entraria em contato e diria que estava pronto para a “altitude final”, que é a determinada pelo plano de voo, e então subiria para esta altitude. É normal isso.

Como uma aeronave com tantos sistemas de segurança pode desaparecer? Dificilmente uma única causa -- raios, a força da turbulência ou outro problema ao longo da rota -- será responsável pelo desaparecimento de uma aeronave. Uma sucessão de eventos e problemas provavelmente concorreu para o que houve com o voo da Air France. Uma das hipóteses é que a forte turbulência tenha interagido com alguma falha estrutural no avião, levando à perda de sua capacidade de voar.

Por que a tripulação não pediu ajuda? Se a falha no sistema elétrico do avião foi mesmo catastrófica, a julgar pela mensagem automática transmitida para a Air France às 23h14 do dia 31, o mais provável é que os meios usuais de comunicação com o controle aéreo não estivessem mais disponíveis para a tripulação.

A região tem acidentes frequentes? Apesar da presença de turbulências, não há um índice elevado de acidentes aéreos ali. Além disso, apenas 12% dos acidentes aéreos fatais acontecem em pleno voo, longe da decolagem e da aterrissagem, de acordo com dados da Boeing.

Existe um alerta específico para as tempestades em voos sobre oceano? O comandante tem três opções. Além do aviso da navegação e do radar meteorológico, há uma leitura por códigos de números, que é entendida pelos comandantes. Chama-se TAF, e oferece uma previsão meteorológica por satélite da região que vai ser cruzada. A aeronáutica mostra a fotografia do satélite e oferece um desenho feito à mão por um meteorologista que interpreta ela e transforma e código a ser lido pelos pilotos. Isso é feito até com 36 horas de antecedência de cada voo. Este material é entregue pelo despachante de voo para o piloto, pois faz parte da pastinha que ele recebe, mostrando o que o piloto espera encontrar durante a viagem. Por ali, ele pode mudar a rota de plano de voo repetitivo que vai pedir, dependendo do quanto está desfavorável aquela rota. Como o planeta é redondo, a rota é em arco, então pode ser alterada mesmo dentro da aerovia. Quando recebe a navegação, o piloto estuda isso na cabine e decide como vai executar aquilo, fazendo contestações se achar que há algum problema.

O comandante faz contato o tempo todo com o controle aéreo? É importante o comandante sempre manter pelo menos um rádio sintonizado o tempo todo com o órgão de controle a que se está sujeito no momento, porque ela pode a qualquer momento fazer uma chamada para ele [no caso do voo AF447, a autoridade no momento do desaparecimento era a de Recife]. Dentro das aerovias, há uma série de posições chamadas “fixos”, que são batizadas dentro da carta. Alguns desses pontos têm notificação compulsória, e a tripulação precisa reportar por rádio, sempre que passar por essas posições, mas algumas não são compulsórias. Meia hora após decolar, o piloto faz um primeiro contato com o centro de controle e, em seguida, a cada hora. No caso de uma travessia de oceano, é mais provável que se trabalhe com tempo, já que as referências geográficas são mais irrelevantes. Tanto que o que foi relatado pelas autoridades é que o avião deveria ter feito contato num determinado horário, mas não entrou em contato.

É possível saber o que aconteceu sem acesso à caixa-preta? Sim. Os aviões dessa geração têm um equipamento chamado Acars (Automatic Comunication And Reporting System), que é um pequeno computador que manda comunicações via satélite linkando o avião com a companhia aérea e o fabricante. Ele não coleta tantos parâmetros de voo quanto a caixa-preta –são 10 a 20, contra 580 - , mas são suficientes para que a companhia saiba se a aeronave teve algum defeito. Parte do que aconteceu com o voo, a companhia tem como saber mesmo sem a caixa-preta. Com esse equipamento, cerca de 60% das informações sobre um acidente é enviado para a companhia aérea e para o fabricante da aeronave.